Alguns álbuns recentes que eu gosto

Isto é uma lista. Ontem, a Lari do Yellow Ever Shine postou os 5 discos favoritos dela, lançados nos últimos 5 anos. Vocês deviam dar uma olhada nessa lista. Acabou que isso me inspirou por fazer algo parecido, uma lista de discos recentes que eu gosto. Não serão cinco nem necessariamente favoritos. Os critérios foram data de lançamento (entre 2020 e 2015, mas não sei se a lista vai cobrir cada um desses anos ou mesmo esse período, foi só um limite para seleção – *eu vim do futuro pra dizer que vai ser de 2017 até 2020, com a maioria sendo de 2018 ou 19*), eu ter gostado, obviamente, e que apresentem algo de novo, ou seja, que talvez vocês não tenham ouvido ainda, nem os discos nem nada parecido com eles. Esse é o objetivo: generosamente trazer algo de novo aos ouvidos de vocês. E vocês nem precisam me agradecer por isso. Como toda a lista, ela não representa nada, nada de fixo ou importante, e sugestões de coisas não contidas nela são bem-vindas. Agora, aos discos. Junto de cada um deles, farei uma breve introdução e deixarei um link para o Spotify, assim vocês podem ir lá e ouvir do que eu tô falando, mas o Spotify é só um meio de ouvir o disco, sejam criativos, vocês sabem usar a internet afinal – não é só para postar fotos do seu almoço, gatos e pornografia, por incrível que pareça.

Current 93 – The Light is Leaving Us All (2018)

Começo pelo lançamento mais recente do Current 93 porque, não só é um disco bem bacana, é uma ótima introdução ao mundo místico dessa banda, grande representante do “folk apocalíptico” (ou neofolk, só acho errado chamar de “neo” um movimento de 40 anos atrás), mundo esse cheio de referências ocultistas (a começar pelo nome da banda), letras poéticas e complicadas inspiradas por textos sagrados (principalmente os apócrifos bíblicos) e, entre outros autores, William Blake, mantras, temas repetitivos e uma vastidão de experimentos sonoros. Acontece que não é uma banda fácil na qual se iniciar. Se você começar do começo, vai ser abatido por sons abrasivos entre o industrial e o noise. Se começar do meio, boa sorte, tudo pode acontecer, a discografia deles é imensa e variada, os limites moram na cabeça do David Tibet – podem bem não existir. Por isso esse disco é uma boa iniciação, é um retorno ao lado folk de Thunder Perfect Mind, de um jeito menos agressivo e complexo, com melodias e temas constantes – o que também acontece em Thunder Perfect Mind, só que diferente, porque Thunder é um disco perfeito. Em outras palavras, Light é um álbum coeso e amigável. Pra quem já conhece, pode ser uma decepção, mas não tão forte a ponto de tornar o disco ruim. A qualidade essencial de Current 93, as letras e performances de David Tibet, está presente e hipnotizante como sempre, com o canto de pássaros e frases repetidas como mantras (você adivinhou: the light is leaving us all – e se você olhar pela janela agora, talvez a luz realmente nos esteja deixando). Em seguida, escute Thunder Perfect Mind.

Swans – leaving meaning. (2019)

Bem como o disco anterior, esse é o lançamento mais recente de uma banda que já existe faz uns 40 anos, que já passou por várias encarnações musicais e, portanto, é difícil de saber por onde se iniciar. E, sim, leaving meaning. é um bom ponto de partida também. Não param aí as semelhanças, da mesma forma que o C93 é uma ferramenta para a criatividade do David Tibet, Swans é uma das muitas ferramentas do Michael Gira. Poderia falar mais sobre o disco, se eu já não tivesse feito isso aqui. (Indico a leitura, além de falar de Swans, eu falei de um monte de outras coisas, de Fleabag até uma experiência com cogumelos.) “Esse disco segue alinhado à nova proposta de som do Michael Gira desde o retorno da banda em 2010. É até bem leve, comparando com os outros, existe certa beleza nas composições, é poético, astral. A idade deixou o Gira mais melancólico e preocupado com transcendência. Parece que a fúria, a revolta generalizada, a vontade de expor ao público as vísceras da humanidade, perderam a importância.” Sim, eu ainda concordo comigo. Depois desse, caso Swans entre em seu coração – e vai -, escute To be Kind, depois The Great Annihilator, depois Filth. Se gostar de todos, tá iniciado, pode ouvir todos tranquilamente.

Jards Macalé – Besta Fera (2019)

Esse cara faz o som duma cuíca soar macabro. Se isso não te convence a ouvir o disco, nada convencerá. Me recuso a dizer mais.

Ok, só mais um pouco, mas eu não devia. A porra toda é uma obra-prima. O jeito que ele mistura gêneros musicais e ritmos, os malabarismos líricos das letras que incorporam Ezra Pound, Gregório de Matos, José Carlos Capinam… não é que seja indescritível, só é inútil e indigno o descrever. Se esse não foi o melhor disco do ano passado, foi o mais interessante. Chega, vá ouvir.

Alela Diane – Cusp (2018)

Pausa pro vinho. Cusp é um disco para ócio dominical ou noturno em caso de quarentena – que não acabou ainda, seu animal. É um folk mais tradicional, do tipo que conta histórias acompanhadas de instrumentos pouco intrusivos, histórias contadas pela voz de Alela Diane, talvez tão penetrante quanto a de Karen Dalton – menos ríspida que a da Karen, com certeza. Vale apontar que se Karen Dalton não tivesse morrido nos anos 90 e parado de gravar em 70, ela estaria nessa lista, então procurem por ela vocês mesmos. Eu sei que o folk “tradicional” é contra a composição de músicas próprias, mas essa mania morreu cedo, e bom que foi assim, as letras da Alela Diane têm aquela melancolia gostosa, sabe? A essa altura você já deve ter entendido o que eu quis dizer com “esses álbuns não são meus favoritos”. Adoro cada um deles, mas não são os melhores de cada artista (exceto o do Jards Macalé, talvez). Mas são recentes e a proposta é falar de coisas lançadas nesses últimos tantos anos. Da Alela, The Pirate’s Gospel e About Farewell são muito melhores. Mas Cusp também é bom. Alela Diane é uma artista relativamente atual cujo trabalho merece ser acompanhado.

Mary Lattimore – Hundreds of Days (2018 – um ano mais ativo musicalmente do que eu me lembrava…)

Meu amor por música minimalista nasceu de uma necessidade de abafar sons externos enquanto eu leio, no entanto letras ou mudanças bruscas de ritmo ou melodias muito chamativas me distraem. Mary Lattimore não tem nada disso. Ela é uma harpista (harpista?, harpeira?, harpeadora? ela toca harpa) que mescla padrões musicais repetitivos com aspectos da música eletrônica gerando uma maravilha mínima e relaxante, perfeita pras minhas necessidades musicais exigentes, em momentos de leitura. Ouvi tanto o disco Hundreds of Days junto dos livros que, um belo, tão belo, dia, me peguei o escutando sem acompanhamentos. Os dela e de outros compositores dessa linha musical que talvez um dia eu cubra numa postagem própria. Caso alguém tenha curiosidade, avise. (Pode ser que aconteça de qualquer forma, mas, caso aja interesse, vai acontecer mais rápido.) E é isso que eu tenho a dizer sobre esse disco, ele é a paz em forma de música.

Satanique Samba Trio – Xenossamba / Mais Bad  / Instant Karma (2017-2020)

Estão relaxados depois de uma boa dose de Mary Lattimore e sua harpa mágica? Que bom. Pois é hora do pesadelo. Sim, peguei 3 discos do Satanique Samba Trio, o que poderia ser chamado de trapaça, caso eu tivesse estabelecido qualquer limite pra essa lista além de ano de lançamento. Então eu fiz uma lista de 6 com 9 discos, me processem. Mas não foi sem motivo. Esses 3 discos juntos têm 40 minutos de duração. De que tratam? Pois bem, eu digo que Satanique Samba Trio é um retrato musical do Brasil. É caótico e violento, imprevisível e eufórico, contudo, se você fechar os olhos e mergulhar na neblina, sentirá a alegria quase estúpida que tempera a cultura. Cada micro-composição é como um desfile de escola de samba em chamas.

Em ordem reversa, Instant Karma é composto de 28 “minialgias” numeradas desordenadamente. Tenho vontade de ajustar a ordem das faixas pra ver se elas resultam numa música coesa, de 6 minutos (porque essa é a duração total das 28 minialgias, cada uma com cerca de 15 segundos), mas não o farei agora. Provavelmente não seria tão simples. Como estão, as minialgias são como haicais inferno-carnavalescos.

Mais Bad é 18 minutos de badtriptonics. Que porra é essa? Eu não sei, mas eu gosto. Pra quem não entendeu ainda, eles misturam todos os ritmos tipicamente brasileiros e afro-brasileiros e os forçam a transar com música eletrônica, noise, distorções e todo tipo de combustível pra pesadelo. Eis a badtrip, não escute com psicotrópicos. Façam PROERD, jovens.

Então Xenossamba, que é mais disso tudo, só que diferente. Aproveitem, escutem os outros álbuns também, façam uma festa, chamem um palhaço, taquem querosene no palhaço e nos convidados e em vocês mesmos, acendam uma vela preta. Esse é o espírito da coisa, em resumo. Só lindeza.

2 comentários sobre “Alguns álbuns recentes que eu gosto

Deixe um comentário